A Influência do entretenimento no Jornalismo
Já parou para pensar em quantas vezes você ligou para a polícia por motivos que parecem triviais, sentindo um certo desconforto ao lembrar que há ocorrências muito mais sérias a serem tratadas? Essa sensação é semelhante à que tenho como assessor de imprensa ao solicitar espaço para pautas que, muitas vezes, parecem de baixo interesse público, especialmente em um cenário repleto de assuntos urgentes e relevantes.
Contudo, essa sensação de desconforto logo desaparece quando me deparo com reportagens exibidas em horários nobres, durante os noticiários locais. O que me faz refletir sobre a justificativa de algumas emissoras para não promover iniciativas importantes da cidade: a falta de tempo em sua grade de programação.
Em um único dia, podemos ver uma galinha que adotou um gato como filho, enquanto no dia seguinte, um papagaio que apresenta a lista dos vice-governadores gaúchos em ordem alfabética. É inegável que o insólito desempenha um papel na seleção de notícias, como preconiza a teoria do gate keeper. Mas até que ponto essas histórias divertidas podem ocupar o espaço de pautas que realmente carregam informação significativa?
Quantas questões de grande relevância deixaram de ser veiculadas porque, em determinado dia, o entretenimento superou a informação? Um exemplo claro disso são as reuniões do Conselho de Saúde, que valem muito mais que a ovelha que vive entre terneiros, mas que acabam ofuscadas pela busca incessante por cliques e visualizações.
A Legitimidade do Entretenimento vs. O Papel Informativo do Jornalismo
O entretenimento, de fato, é legítimo e necessário. Ele ajuda a aliviar a tensão do cotidiano, aproximar pessoas e humanizar histórias. Contudo, o problema surge quando este entretenimento começa a ocupar o espaço da notícia e é disfarçado de jornalismo, visando apenas garantir audiência.
O que antes servia como um alívio momentâneo entre tragédias transformou-se, em muitos casos, na âncora principal dos telejornais. As emissoras perceberam que o riso prende mais a atenção do que a reflexão profunda. Um papagaio com seu vasto conhecimento pode atrair mais espectadores que um jornalista que traz informações importantes.
A era do “conteúdo leve” saiu dos pequenos dispositivos móveis e se consolidou como um formato de notícias que, embora envolvente, deixa a desejar no que tange à informação relevante. É evidente que existe espaço para o curioso e o divertido, mas quando o noticiário mistura-se com o entretenimento, o jornalismo perde sua essência de ser um mediador entre o cidadão e a realidade ao seu redor.
Os Riscos da Desinformação pelo Excesso de Irrelevância
Em suma, a busca incessante por risadas ocupa o tempo que deveria ser dedicado a compreender questões que impactam a vida da população. Isso gera uma ilusão de que estamos bem informados, quando, na verdade, o que se passou foi uma hora de diversão.
A consequência disso é uma nova forma de desinformação, que não é composta por fake news clássicas ou informações fabricadas. É uma desinformação sutil, mas real, oferecida com vinhetas e apresentadores sorridentes, como se estivéssemos em casa, assistindo a um programa leve. Essas reportagens não mentem, mas também não informam.
Esse fenômeno prejudica diretamente a agenda pública. Quanto menos espaço é dado a pautas estruturais, mais distantes elas parecem da realidade cotidiana das pessoas. O resultado? Cidadãos desmobilizados, incapazes de se envolver em temas complexos. Uma vez que se perde a conexão com o que é importante, fica difícil recuperá-la.
Entre histórias como a da galinha que adotou um gato e o papagaio com memória de elefante, o público se mantém informado… sobre tudo, menos sobre os assuntos que realmente importam. Está na hora de revisitar a ideia de que o que atrai audiência são as tragédias. O que parece prevalecer, na verdade, é a graça.