Revelações Arqueológicas e a Importância da Memória Coletiva
Um antigo cemitério, que esteve escondido por 200 anos, foi recentemente redescoberto na Bahia, revelando os restos mortais de aproximadamente 100 mil indivíduos que viveram à margem da sociedade nos séculos passados. A investigação conduzida por pesquisadores e arqueólogos, com o apoio do Ministério Público da Bahia (MP-BA), destaca que entre os sepultados estão pessoas escravizadas, indigentes, não-batizados, excomungados, suicidas, prostitutas, criminosos e insurgentes.
A arqueóloga Jeanne Almeida, responsável pelo levantamento, enfatiza a importância desse resgate arqueológico, classificando-o como fundamental para a construção da memória de legados populares e para a reparação histórica. “Estamos falando de séculos em que muitos foram retirados de seus territórios de maneira forçada, e cujas memórias foram esquecidas”, afirmou durante uma reunião realizada no MP-BA.
Localizado em uma área que atualmente funciona como estacionamento, o cemitério, conhecido como ‘Sítio Arqueológico Cemitério dos Africanos’, precisa urgentemente de proteção. O MP-BA planeja emitir uma recomendação para que a Santa Casa suspenda as atividades de estacionamento no local, de acordo com orientações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O promotor de Justiça Alan Cedraz, coordenador do Núcleo de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural, ressaltou a necessidade de um diálogo social com grupos comunitários e lideranças religiosas para iniciar um processo de reparação histórica. “Devemos romper com o ciclo de silenciamento e apagamento dessas narrativas”, defendeu Cedraz.
Colaboração e Descobertas
Os achados arqueológicos são resultado de uma colaboração técnica entre a Santa Casa, o MP-BA e diversos pesquisadores. No final de 2024, o MP-BA atuou como intermediário com o hospital, que autorizou a realização das pesquisas na área onde está localizado o Complexo Pupileira, nas proximidades do Dique do Tororó, no centro de Salvador.
Na última semana, durante um evento no MP, as pesquisadoras apresentaram os resultados de uma investigação feita em maio. Almeida detalhou as etapas do trabalho, que durou dez dias e envolveu escavações que revelaram materiais e fragmentos ósseos humanos, considerados potenciais vestígios do cemitério.
Entre os indivíduos que podem ter sido enterrados no local, há líderes históricos de movimentos de resistência, como a Revolta dos Búzios (1798) e a Revolução Pernambucana (1817), e também da Revolta dos Malês (1835). Segundo informações apuradas pela coluna de André Santana, é possível que os corpos de outros lutadores pela liberdade negra no Brasil também estejam sepultados ali.
Um Passado Revelado Através da Pesquisa
A localização deste cemitério foi determinada a partir de investigações com documentos históricos, que identificaram o Complexo Pupileira como seu possível ponto. A pesquisadora Silvana Olivieri, em sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), passou dias em Belém em busca de informações sobre um antigo cemitério de indígenas e escravizados. Inspirada por essa descoberta, questionou se algo similar poderia ser encontrado em Salvador. “E, para minha surpresa, descobri que sim”, relatou Olivieri em uma entrevista à coluna de Carlos Madeiro.
O resgate desse cemitério não é apenas uma questão de arqueologia; é um passo fundamental para a valorização da história dos grupos marginalizados que compõem a narrativa da Bahia. A revalorização desses espaços é essencial para o fortalecimento da identidade cultural e a construção de uma memória coletiva que respeite e honre aqueles que foram esquecidos ao longo dos séculos.


